O preconceito racial sobre o comportamento humano e o preconceito racial
sobre sua própria cor.
Na peça Anjo Negro a questão é tratada de forma aparentemente
paradoxal. O negro Ismael, por odiar a própria cor, repudia tudo o que possa
estar associado a sua etnia - da religião aos hábitos culturais. Sua mãe o
amaldiçoa, pois cegou Elias, o irmão de criação branco. Casado com a branca
Virgínia, contra a vontade da mesma, Ismael se torna cúmplice da mulher, que
assassina os próprios filhos por serem negros. Virgínia sente pelo marido um
misto de repugnância e paixão. Ao nascer Ana Maria, filha branca de Virgínia
com Elias, Ismael cega a menina para que nunca possa ver
a sua negritude paterna. Vendo ali o início de uma relação incestuosa,
Virgínia, sempre cumplice do marido, traça o plano final.
“Nelson aponta para a problemática racial em que, certamente, se
articulam os subsídios para uma teoria social do Brasil, onde se destaca a
violência como fator de base dos fundamentos estruturais do modelo
étnico-social brasileiro. A peça explicita a vivência de amor/ódio num casal
inter-racial e a ambiguidade diante de sua linhagem mestiça. O estilo
poético-realista de Nelson Rodrigues revela, de maneira perturbadora, temas
adormecidos no inconsciente. Ele revolve esse universo profundo do espectador
trazendo à consciência o que está recalcado e utiliza-se da tragédia para falar
do racismo. Algo da ordem do trágico, tal qual é explicitado no drama grego,
pode estar muito próximo de nós, se considerarmos que, enquanto humanos,
vivenciamos as emoções que o perpassam.”
Encenação
A encenação trabalha com tudo que o personagem Ismael renega: as suas
origens ancestrais. Essa recusa foi a primeira ideia de tratamento a concepção
do espetáculo. O que a encenação faz é explicitar
justamente as negações do personagem . Submerge de seu subconsciente o que ele
evita, expulsa ou tenta não mostrar para a sociedade. As personagens são
violentas entre si, sofrem a violência, vivem-na. Há vinganças recíprocas e
intermináveis. Há ódio dissimulado no amor,amor dissimulado no ódio ou tão
somente um desejo, que gera violência.
 |
Os Coveiros Exus (Naná Sodré e
Agrinez Melo) - Foto Diego Melo CRIA S/A |
 |
A Tia (Naná Sodré). Foto Diego Melo CRIA S/A |
 |
Ismael (Ângelo Fábio). Foto Diego Melo CRIA S/A |
 |
O cego Elias - irmão de Ismael- e sua cunhada Virgínia. (André Caciano e Smirna Maciel).Foto Diego Melo CRIA S/A. |
 |
Tia e primas (Naná Sodré,Agrinez Melo e Maria Luisa Sá). Foto Diego Melo CRIA S/A |
 |
Ismael (Ângelo Fábio).Foto Diego Melo CRIA S/A |
Uma
poltrona branca simboliza um trono, a imponência de um rei,
mesmo que esse rei se mostre impotente diante do amor e da loucura que o
rodeia. Os muros sugeridos no texto estão dentro dos personagens, nada
concreto. . . Não se trata de uma casa com características quaisquer. Há
“sinais” que configuram uma espécie de sacralização do espaço físico, que
indicam se tratar de um lugar não comum, diferente.
 |
A vingança (Smirna Maciel,Agrinez Melo,Naná Sodré e Maria Luisa Sá).Foto Diego Melo CRIA S/A |
 |
O encontro.(Smirna Maciel e André Caciano).Foto Olga Wanderley |
 |
O cego Elias (André Caciano).Foto Olga Wanderley |
Dentro dessa visão construímos um ambiente degradante, algo isolado,
esquecido enquanto ambientação cenográfica. O cenário sem nenhum caráter
realista é trabalhado dentro da perspectiva de um ambiente desordenado,
esquecido pelo tempo, fechado em si mesmo. Os mínimos elementos cenográficos,
estão dentro desse espaço para dar vasão a solidão. As plataformas,
um espécie de trampolim dão a ideia de desalinho e
desequilíbrio dos personagens que vivem sempre a beira do precipício e da
loucura.
Dentro
da linha de pesquisa que o Grupo O Poste Soluções Luminosas vem desenvolvendo
desde o espetáculo Cordel Amor sem Fim trará um Nelson Rodrigues dentro da
ancestralidade, um Anjo Negro dos Exus, Orixás, Voduns, Eguns,
feiticeiras, das alegorias e dos volumes de seus vestuários. As falas
e gestos assumem o tom grotesco, bem marcado
e animalesco. Ora estamos no terreiro, ora dentro, ora fora, ora em local
indefinido, entre o estar dentro e fora.
 |
O cego traído (André Caciano, Ângelo Fábio e Smirna Maciel).Foto Diego Melo CRIA S/A |
 |
Vírgínia (Smirna Maciel).Foto Diego Melo CRIA S/A
Anjo Negro, peça do grupo O Poste Soluções
Luminosas
De 29/03 a 04/05 ( maio) , aos sábados e
domingos
No Teatro Barreto Júnior – R. Estudante Jeremias
Bastos , S/N - Pina Recife – PE | Fone | (81) 3326-4177
Horário – 20h
Valor – R$ 20 (inteira) e R$10 (meia).
Censura – 18 anos
|
Comentários